A instabilidade das coisas do mundo
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Gregório de Matos
Análise
Um importante e conhecido poema lírico-filosófico do barroco é "A Instabilidade das Coisas do Mundo", de Gregório de Matos. Nele, é discutido a passagem do tempo, a inconstância da natureza e a do homem, as incertezas da vida que todos nós temos e a instabilidade das coisas. Ainda é composto por dois quartetos e dois tercetos, característicos do barroco.
Na primeira estrofe, o autor apresenta várias antíteses (outro componente presente nas obras barrocas), como vida e morte, claro e escuro, feio e belo, tristeza e alegria. É passado para o leitor nessa parte que a vida é bela, porém não é eterna, e que depois de toda essa alegria vem a tristeza, a temida morte.
Na segunda estrofe, é apresentado uma série de perguntas sem respostas concretas, que geram dúvidas e incertezas, no maior sentido filosófico possível. Caracterizando as questões que pairavam sobre o homem naquela época.
A estrofe seguinte tem mais uma antítese (alegria e tristeza). E fala sobre a inconstância da vida e da falta de alegria que o indivíduo sente mesmo estando vivo.
O autor afirma na quarta e última estrofe que o fato de existir a vida e a morte é pelo bem da natureza, e que a única coisa certa nessa vida é que nada é constante. A estrofe apresenta um paradoxo, como no último verso da terceira. Mais uma característica barroca.
No poema é utilizado letra maiúscula na palavra "Luz", como em um substantivo próprio. Sendo assim, ela poderia ser usada como uma prosopopeia, representando o poder de Deus. Já que a luz vem Sol, uma divindade em muitas mitologias, como a grego-romana e a egípcia. A estrofe "Mas no Sol, e na falte firmeza" passaria exatamente a mensagem do período barroco, a falta de firmeza na religião, devido à Reforma Protestante e a Contrarreforma.
Vinícius Valadão