sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Arcadismo - Cláudio Manuel da Costa

Soneto XXII

Resultado de imagem para soneto xxii claudio manuel da costaNeste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;

Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penado
Chorava Fido a sua desventura.

Às lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:

A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.



Cláudio Manuel da Costa


Análise

O soneto XXII, de Cláudio Manuel da Costa faz parte das "Obras poéticas", na qual contém importantes textos do Arcadismo brasileiro. Segundo Antônio Cândido, os mesmos são divididos em três séries, e o soneto analisado está na que diz a respeito das "angústias amorosas e a morte de Fido".
Nele, o pastor Fido chora por sua desventura, longe de todos. Podemos perceber características árcades, como a do inutilia truncat (o corte do inútil, uma maior simplicidade do texto), a figura do camponês e o campo, a relação com a cultura greco-romana, entre outros.
É apresentado uma série de elementos que poderia formar um quadro bucólico: álamo, arvoredo, Zéfiro (deus greco-romano do vento ocidental), pastor e natureza. Porém, não moldam de fato o  locus amoenos (lugar ameno), um dos pontos do Arcadismo, pelo fato de que todos eles sofrem a melancolia de Fido. Por isso, o álamo é sombrio, o arvoredo é fúnebre e o pastor não ouve nenhum gemido de Zéfiro na noite escura. Além do mais, o personagem não está em harmonia com o meio.
Um ponto importante é que no Arcadismo, há uma visão mais simplificada dos homens e das relações sociais. Porém, o soneto apresenta o contrário, pelo fato do pastor e sua melancolia.
No trecho "A natureza em ambos se mudava", podemos ver a metamorfose, na qual Fido se materializa e a pedra se humaniza. Outra característica da cultura greco-romana.

Vinícius Valadão

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Arcadismo - Basílio da Gama

Trecho de "O Uraguai"

A morte da Lindóia

Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca com a vista, e treme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins e rosas.
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados, 
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem 
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destino Caitutu, que treme 
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca , e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo co´a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que no despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que surdo vento, e aos ecos tantas vezes
Cortou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante 
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!
Basílio da Gama

Lindóia (1882), de José Maria de Medeiros



Análise

Do poema de Basílio de Gama "Uraguai" extraiu-se o trecho "A morte de Lindóia" para análise.
O poema como um todo, acontece no contexto histórico em que portugueses e espanhóis lutavam contra os guaranis, sob tutela dos jesuítas. O trecho do poema representado anteriormente, diz respeito à esposa do cacique da tribo, que após este ser assassinado pelo padre de Balda, escolhe morrer por amor à casar-se novamente, e desta vez, com um dos protegidos do assassino, que procurava a dominação da tribo com a união (casamento). 
O texto "O Uraguai" é uma forte representação do gênero épico no arcadismo, com um drama amoroso em seu decorrer: "A morte de Lindóia". O poema traz fortes características árcades, como a exaltação da natureza, com uma riqueza em detalhes, e a exaltação da essência natural do homem, ou seja, que possui uma relação harmônica com a natureza. Essa característica parece ter sido representada pelo indígena, pelo qual o autor demonstra grande sensibilidade. Há também uma forte crítica presente no texto em relação aos padres jesuítas da Companhia de Jesus, que no contexto histórico havia sido expulsa.
Luciliana Queiroz

domingo, 30 de outubro de 2016

Arcadismo - Claudio Manuel da Costa

XCIX

Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turvado;
O céu, que estava limpo e azulado,
Se vai escurecendo no horizonte:


Porque não haja horror, que não aponte
O agouro funestíssimo, e pesado,
Até de susto já não pasta o gado;
Nem uma voz se escuta em todo o monte.

Um raio de improviso na celeste
Região rebentou; um branco lírio
Da cor das violetas se reveste;


Será delírio! não, não é delírio.
Que é isto, pastor meu? que anúncio é este?
Morreu Nise (ai de mim!) tudo é martírio.

   Claudio Manuel da Costa

Análise:
No soneto XCIX percebe-se que aquelas paisagens ensolaradas, tipicamente árcades, dão lugar a um visual que vai, aos poucos, tornando-se escuro e melancólico, o poema torna-se desta forma pois a musa do pastor morreu, não só ele se lamenta mas também toda a natureza.
Esse texto é lírico e se usa o bucolismo que é um gênero literário poético em que se exalta a vida no campo, a simplicidade e ingenuidade dos costumes, a tranquilidade e riqueza do contato com a natureza, e os hábitos peculiares dos pastores.



Edvânya Borduam