Soneto XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penado
Chorava Fido a sua desventura.
Às lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
Cláudio Manuel da Costa
Análise
O soneto XXII, de Cláudio Manuel da Costa faz parte das "Obras poéticas", na qual contém importantes textos do Arcadismo brasileiro. Segundo Antônio Cândido, os mesmos são divididos em três séries, e o soneto analisado está na que diz a respeito das "angústias amorosas e a morte de Fido".
Nele, o pastor Fido chora por sua desventura, longe de todos. Podemos perceber características árcades, como a do inutilia truncat (o corte do inútil, uma maior simplicidade do texto), a figura do camponês e o campo, a relação com a cultura greco-romana, entre outros.
É apresentado uma série de elementos que poderia formar um quadro bucólico: álamo, arvoredo, Zéfiro (deus greco-romano do vento ocidental), pastor e natureza. Porém, não moldam de fato o locus amoenos (lugar ameno), um dos pontos do Arcadismo, pelo fato de que todos eles sofrem a melancolia de Fido. Por isso, o álamo é sombrio, o arvoredo é fúnebre e o pastor não ouve nenhum gemido de Zéfiro na noite escura. Além do mais, o personagem não está em harmonia com o meio.
Um ponto importante é que no Arcadismo, há uma visão mais simplificada dos homens e das relações sociais. Porém, o soneto apresenta o contrário, pelo fato do pastor e sua melancolia.
No trecho "A natureza em ambos se mudava", podemos ver a metamorfose, na qual Fido se materializa e a pedra se humaniza. Outra característica da cultura greco-romana.
Vinícius Valadão