sábado, 8 de outubro de 2016

Barroco - Padre Antônio Vieira

O amor fino
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.
Padre Antônio Vieira


Análise
O sermão "O amor fino" de Padre Antônio Vieira, fala sobre diversas maneiras de amarmos, citando algumas erradas, como podemos ver no seguinte trecho: "Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo". Porém, dessas formas há uma correta, como podemos ver no trecho: "... quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino". 
Este sermão quer nos passar a ideia que devemos amar sem interesses, ou seja, devemos amar sem pedir nada em troca e nem obrigar que o(a) amado(a) te ame. Essa seria a ideia do o amor fino, o amor correto.
Além do mais, esse amor poderia ser direcionado ao amor de Jesus Cristo por nós, já que o objetivo do padre era clarear a mente confusa das pessoas deste período, o barroco com seus sermões.
Bruno Coutinho

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Biografia - Gregório de Matos

Gregório de Matos Guerra (1636-1696)
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  Poesia muito mais rica, a do baiano Gregório de Matos Guerra (1636-1696), que interessa não só como documento da vida social dos Seiscentos, mas também pelo nível artístico que atingiu.
 Gregório de Matos era homem de boa formação humanística, doutor in utroque jure pela universidade de Coimbra: mazelas e azares tangeram-no de Lisboa para a Bahia quando já se abeirava dos cinquent'anos; mas entre nós não perdeu, antes espicaçou o vezo de satirizar os desafetos  pessoais e políticos, motivo de sua deportação para Angola de onde voltou, um ano antes de morrer, indo parar em Recife que foi a sua última morada.
 Têm-se acentuado os contrastes da produção literária de Gregório de Matos: a sátira mais irreverente alterna com a contrição do poeta devoto; a obscenidade do "capadócio" (José Veríssimo) mal se casa com a pose idealista de alguns sonetos petrarquizantes. Mas essas contradições não devem intrigar quem conhece a ambiguidade da vida moral que servia de fundo à educação ibérico-jesuíta. O desejo de gozo e de riqueza são mascarados formalmente por uma retórica nobre e moralizante, mas afloram com  toda brutalidade nas relações com as classes servis que delas saem mais aviltadas. Daí, o "populismo" chulo que irrompe às vezes e, longe de significar uma atitude antiaristocrática, nada mais é que a válvula de escape para velhas obsessões sexuais ou arma para ferir os poderosos invejados. Conhecem-se as diatribes de Gregório contra algumas autoridades da colônia, mas também palavras de desprezo pelos mestiços e de cobiça pelas mulatas. a situação de "intelectual" branco não bastante prestigiado pelos maiores da terra ainda mais lhe pungia o amor-próprio e o levava a estiletar às cegas todas as classes da nova sociedade:

                A cada canto um grande conselho, 
               Que nos quer governar cabana e vinha;
               Não sabem governar sua cozinha, 
               E podem governar o mundo inteiro.

               Em cada porta um bem frequente olheiro, 
               Que a vida do vizinho e da vizinha
               Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
               Para o levar à praça e ao terreiro.

               Muitos mulatos desavergonhados, 
               Trazidos sob os pés de homens nobres, 
               Postas nas palmas toda a picardia,
               Estupendas usuras nos mercados,
               Todos os que não furtam muito pobres: 
               E eis aqui a cidade de Bahia.
                                            ("Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia")
  As suas farpas dirigiam-se de preferência contra os fidalgos "camurus" em que já acusa a presença de sangue índio:

Que é fidalgo nos ossos cremos nós,
Pois nisso consistia o mor brasão
Daqueles que comiam seus avós.

E como isso lhe vem por geração,
Lhe ficou por costume em seus teirós
Morder os que provém de outra nação.
                                                  ("A certo fidalgo caramuru")

  Gregório moteja aqueles senhores de engenho que, já mestiçados de português e tupi, presumiam igualar-se em prosápia com a velha nobreza branca que formaria o "antigo estado" da Bahia. E é com olhos de saudade e culpa que o poeta  vê o novo mercador lusitano e os associados deste na Colônia ávidos de lucro e interessados em trocar por ninharias ou ouro doce das moendas. no forte e bem travado soneto "triste Bahia", Gregório se identifica com a sua terra espoliado pelos negociante de fora, o "sagaz Brichote", e impreca a deus que faça tornar o velho tempo da austeridade e da  contensão:

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante 
Estás e estou do nosso antigo estado! 
pobre te vejo a ti, tu a mi emprenhado,
rica te vi eu já,tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Quem em tua larga barra tem entrado 
A mim  foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente 
Pelas drogas inúteis, que abelhuda 
Simples aceitas do sagaz brichote.

Oh se quisera Deus que de repente 
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

 Araripe Júnior, no estudo que dedicou a Gregório, deixou claro que o tipo de comicidade peculiar ao sátiro baiano é o oposto da "alegria gaulesa" de Rabelais, tolerante no seu descansado epicurismo. "Nada disso se encontra em Gregório de Matos. Pessimismo objetivo, alma maligna, caráter rancoroso, relaxado por temperamento e costumes, o poeta do 'marinícolas' verte fel em todas as suas sátiras; e, apesar de produto imediato do meio em que viveu, desconhece a sua cumplicidade, pensa reagir quando apenas o traduz, cuida moralizar quando apenas se enlameia.
  A truculência do juiz é a outra face do trovador obsceno: contraste primário que, dada a mediana humana e artística de Gregório, não deságua no eros religioso atingido pela alta poesia barroca de Tasso e Donne, Silesius e Sor Juana Inés de la Cruz.
 Resta ver a força artesanal, que é patente em um versejador hábil como Gregório. Alguns de seus sonetos sacros e amorosos transpõem com brilho esquemas de Góngora e de Quevedo e valem como exemplo do gosto seiscentistas de compor símiles e contrastes para enfunar imagens e destrinçar conceitos.
 Concretizando, por exemplo, a intuição do tempo fugaz, assim fecha um soneto quase-plágio de Góngora:

Ó não aguardes, que a madura idade
Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
  
Ou, moralizando sobre a vaidade da vida terrena, motivo barroco por excelência, distribui sabiamente as imagens da rosa, da planta e da nau para reuni-las enfim no último terceto:

É a vaidade, Fábio, nesta vida,
Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida
Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca Ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza,
Com a presunção de Fênix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

                                                 (Desenganos da vida humana metaforicamente)

Um veio novo, aberto pelo poeta nesses anos de triunfo do cultismo ibérico, foi o recurso a vozes da língua tupi (e, mais raramente, africana), fiando-as no tecido da sua dicção barroca. O efeito para os leitores de hoje é cômico e talvez mais lúdico do que satírico; mas no contexto da cultura do tempo decerto soava forte a nota mordaz, já que o alvo de Gregório era pôr em ridículo os fumos dos "principais da Bahia", "cujo torpe idioma é Cobepá":

Há coisa como ver um Paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente do sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é Cobepá?

A linha feminina é Carimá,
Muqueca, pititinga, caruru,
Mingau de puba, vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá.

A masculina é um Aricobé,
Cuja filha Cobé, c'um branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.

O branco é um Marau que veio aqui:
Ela é uma índia de Maré;
Cobepá, Aricobé, Cobé, Paí.

 Em toda sua poesia  o achincalhe e a denúncia encorpam-se e movem-se à força de jogos sonoros, de rimas burlescas, de uma sintaxe apertada e ardida, de um léxico incisivo, quando não retalhante; tudo o que dá ao estilo de Gregório de Matos uma verve não igualada em toda a história da sátira brasileira posterior.
                     
                               Disponível no Livro, Alfredo Bosi, História concisa da Literatura Brasileira.
                                                                                                                       
                                                                                                            Edvânya Borduam